Muros crescem sem parar. E um muro imposto pela vizinha na laje da casa das artistas Maria Alves e Dionísia Gonçalves durante a pandemia de Covid 19 para que elas não pudessem mais olhar o quintal da residência da moradora foi o disparador para a criação do espetáculo PARELHA. A montagem do Núcleo Parelha, que estreia dia 21 de novembro, terça-feira, no Centro de Culturas Negras Mãe Sylvia de Oxalá – CCN Jabaquara, também faz apresentações durante o mês na Casa Mundu Rodá, no Ipiranga.
Com pesquisa regional dramatúrgica inédita, assinada conjuntamente pelo próprio Núcleo Parelha e a dramaturga Cristiane Sobral, que tem toda a sua trajetória profissional a partir da periferia, como escritora da sua própria realidade e direção de Juliana Pardo e Alício Amaral, da Cia. Mundu Rodá, PARELHA é um duo teatral e musical da realidade contemporânea. O espetáculo, por meio de uma situação real e concreta do cotidiano de duas artistas residentes de Parelheiros, bairro do extremo sul da cidade, visa, poetizar e dar voz as pessoas e histórias desse território tão distante do centro da capital paulista.
No palco, passado e presente se misturam, assim como a trajetória de dois cavalos e de duas mulheres moradoras de uma laje. Há 195 anos, os cavalos Santa Cruz (cavalo Pangaré) e Parelheiros (cavalo Doido), correm sem parar. Estão em uma região que representa um dos distritos mais sucateados de São Paulo, do qual muitos nem mesmo ouviram falar. Prestes a completar seu aniversário de 196 anos,Parelheiros decide parar de correr pela primeira vez, e consegue finalmente olhar para os lados. Sua decisão gera um conflito terrível com o seu irmão Santa Cruz. Enquanto isso, em uma laje na periferia desse distrito, duas personagens traçam um campo de jogo revelando aos poucos algumas histórias do lugar.
“O que o cavalo Parelheiros viu nesse lugar de promessas e de muitos muros que crescem sem parar? Seria possível ultrapassar esses muros? Em PARELHA, a periferia de Parelheiros fala, é protagonista e está em cena pela primeira vez. Afinal, onde tem corda tem cavalo”, adianta a atriz Maria Alves.
Histórias do território
A proposta de encenação baseia-se na temática “Territórios” e suas ramificações históricas de Parelheiros. A partir desse universo as duas artistas começaram a indagar as seguintes questões: Do que é feito um Território hoje no atual Brasil em que vivemos? Como se constitui? Somos territórios feitos de muros inacabados? Como construir um corpo território?
Antes da estreia, PARELHA teve algumas apresentações on-line diretamente da laje das artistas em Parelheiros. Flavio Barollo, que assina a direção audiovisual do espetáculo, colocou sua assinatura artística na captação de entrevistas com moradores do bairro e na própria operação em transmissão ao vivo. Na segunda parte do projeto, com temporada presencial, a ideia é apresentar o espetáculo e também criar um documentário.
“O filme será exibido em outros espaços que também possam fazer parte das nossas indagações territoriais. Gerando debate e construindo pensamentos com outros territórios para além dos nossos”, explica Dionísia Gonçalves.
Para as entrevistas, o Núcleo Parelha buscou pelos moradores mais antigos do bairro, para ter acesso as histórias de quem nasceu e cresceu em Parelheiros, além de vivências com a equipe em lugares que marcaram a história do bairro, como as Aldeias indígenas Pyau (Krucutu) e Tenondé Porã (Morro da Saudade).
Rosa dos Ventos
A música também marca presença em PARELHA e as artistas trazem para à cena alguns instrumentos inusitados, como um violoncelo construído com latas, uma bateria de tijolos e uma flauta confeccionada com cano de PVC. Já a cenografia é composta por uma grande Rosa dos Ventos com seus pontos primordiais para o jogo com a plateia.
Para a atriz Maria Alves, encenar PARELHA é também criar um campo de batalha entre ela e sua Rosa dos Ventos Territorial. “Minha Rosa dos Ventos é composta por um Muro, que representa as fronteiras físicas e morais, criadas pelo homem, que lutamos para ultrapassar diariamente. Uma Roseira que cresce por cima de um telhado sujo, representando a esperança que se ramifica. A árvore das folhas secas que caem, representando o tempo. A vista das casas inacabadas que representa os começos que não tem fim. E por último a Torre de Comunicação representando a voz que fala, que grita para o mundo”.
PARELHA
Dia 21 de novembro, terça-feira, às 15h e 19h.
Centro de Culturas Negras Mãe Sylvia de Oxalá – CCN Jabaquara (teatro) – Rua Arsênio Tavolieri, 45 – Jabaquara
De 23 a 26 de novembro, quinta-feira a domingo, às 19h.
Casa Mundu Rodá – Rua Southey, 106 – Ipiranga
90 minutos | 14 anos | Gratuito.