Violência política contra a mulher é um crime e fere a democracia brasileira 

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 Raquel Gallinati* 

Há 91 anos, em 24 de fevereiro de 1932, foi instituído o Código Eleitoral, e as brasileiras conquistaram o direito de votar. Era facultativo. As casadas podiam votar com autorização do marido. Já as viúvas e solteiras podiam votar, mas desde que tivessem renda própria. Somente em 1965, o voto das mulheres tornou-se obrigatório, sendo equiparado ao dos homens. 

Nos dias atuais, o voto feminino é decisivo nas eleições. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 50% do eleitorado brasileiro é composto por mulheres. Em contrapartida, apesar de sermos a maioria do eleitorado, ainda existe pouca representatividade política.  

Na Câmara Federal, por exemplo, as mulheres representam pouco mais de 17% dos deputados eleitos, sendo 91 mulheres para um total 513 parlamentares. No Senado, a situação é ainda pior: apenas 11 entre as 81 cadeiras são ocupadas por mulheres, ou seja, 12,3% do total. Percebe-se que há um longo caminho a ser percorrido até que a igualdade de direitos políticos seja atingida e para que as mulheres possam ter os mesmos espaços que os homens. 

Quando se fala da relutância em aceitar as mulheres na Política, há um caso emblemático de extrema violência, a das irmãs Mirabal, Pátria, Minerva e Maria Teresa. Popularmente conhecidas como As Mariposas, as jovens foram brutalmente assassinadas em 25 de novembro de 1960, na República Dominicana. O crime foi cometido pelo ditador Rafael Leônidas Trujillo, de quem as irmãs eram opositoras. Por combater o ditador, pagaram com a própria vida. Estas mulheres foram torturadas e estupradas e seus corpos foram encontrados no fundo de um precipício, estrangulados, com os ossos quebrados. As mortes repercutiram em todo o mundo, causando grande comoção, na época.  

A violência política, inclusive de forma velada, é um desafio, infelizmente, comum às mulheres que ingressam na vida pública no Brasil e é um dos principais fatores que justificam a reduzida presença feminina na política.  

Uma vez eleita, ou ocupando o lugar de liderança, a mulher enfrentará uma rotina exaustiva de discriminação, desrespeito e até ameaças, e será cobrada a todo momento, como se uma impostora fosse e tivesse que comprovar sua legitimidade. 

Passou a ser tipificada como crime, em agosto de 2021, a violência política contra a mulher, quando foi sancionada a Lei nº 14.192/21. Esta violência abrange a violência física, psicológica, simbólica, sexual, patrimonial, moral, com o propósito de suprimir os direitos político-eleitorais das mulheres.  

Ações como o combate à violência política contra a mulher devem ser prioridade. Inúmeros são os obstáculos que violam os direitos políticos das mulheres e são colocados para que elas não possam representar seus próprios interesses. Exemplos corriqueiros são as agressões verbais contra a honra objetiva e subjetiva, que não se intimidam em explorar a sexualidade das mulheres, suas características físicas, com o objetivo de desqualificá-las.  

Também não são raros relatos de mulheres públicas que sofreram ameaças, perseguições, violência psicológica e até mesmo importunação sexual. Mais do que violar a honra subjetiva e objetiva da ofendida, fere o exercício do mandato político, e a própria democracia. A violência contra as mulheres na política gera graves prejuízos que fragilizam a democracia. 

Para uma construção genuinamente democrática do país, a mulher deve ocupar e manter-se em espaços e posições que influenciem na tomada de decisões políticas nas mais variadas vertentes: no universo acadêmico, nas instituições de estado, mundo corporativo, nas casas legislativas em todas as esferas, municipal, estadual e federal, no Executivo, no Judiciário, nas entidades representativas sociais, nos partidos políticos, entre outras. Este é pressuposto fundamental para a promoção da igualdade de oportunidades, para a garantia dos direitos e para o combate a todas as formas de violência, e a ressignificação da mulher na sociedade. 

*Raquel Gallinati é delegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária, e em Processo Penal; mestre em Filosofia; e diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil. 

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